19 dezembro 2010

Bom Natal para todos: 365 dias do Ano! (clique, por favor...Obrigado) / Poema "Chove, é dia de Natal" de Fernando Pessoa / Análise do poema


































Chove. É Dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.



Análise do poema "Chove. é dia de natal

Poema datado de 25/12/1930, por isso poema tardio, o poema "Chove" é um poema ortónimo de Fernando Pessoa, ou seja, escrito em seu próprio nome e não usando o nome
de um dos heterónimos.
No final do ano de 1920, Fernando Pessoa atravessa uma crise mental pronunciada. Em Novembro quebra a sua relação com Ophélia Queiroz, justificando-se por carta e dizendo que o seu destino pertence a "outra Lei", "subordinado (...) à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam".
O poema "Chove" é um pequeno poema, que mistura a simplicidade da sua estrutura (4 estrofes cada uma com 4 versos), com uma subtil ironia e humor negro que são marcas indeléveis da obra ortónima do poeta.
De facto este poema não é sobre a chuva, como se poderia pensar pelo título. Quanto a mim o poema é sobre o Natal, ou melhor, sobre a celebração do Natal. Lembra instantaneamente Álvaro de Campos, no poema "Aniversário", onde Campos se lamenta de estar sozinho - quando era menino todos se juntavam para a comemoração, mas agora quando ele é adulto ninguém está ao pé dele, ele está sozinho "como um fósforo frio".
Por viver sozinho durante quase toda a sua vida, Fernando Pessoa sente como poucos o sofrimento da separação, pois aliada a esta vida de solitário vinha a sua extrema sensibilidade de poeta e o seu pensamento claro e racional de homem inteligente.

Mas analisemos o poema estrofe a estrofe.

"Chove. É dia de Natal. / Lá para o Norte é melhor: / Há a neve que faz mal,
E o frio que é ainda pior." - conseguimos imaginar Pessoa à sua janela a ver a chuva cair, no frio de Dezembro. Mas há um frio ainda maior no seu coração. Veja-se que ele fala de como no Norte é melhor do que onde ele está, porque há "neve que faz mal / e o frio é ainda pior". Parece paradoxal dizer isto, mas vai perceber-se na estrofe seguinte porque Fernando Pessoa faz esta comparação.

"E toda a gente é contente / Porque é dia de o ficar. / Chove no Natal presente. / Antes isso que nevar." - Toda a gente é contente, eis porque Pessoa inveja as celebrações a Norte, celebrações longe, de aldeia, onde todos se reúnem no dia feliz, no dia de Natal. Ficam felizes "porque é dia de o ficar" - a ironia de Pessoa é amarga, porque se por um lado ele identifica a felicidade algo falsa, porque só celebrada no Natal, ele inveja não a ter para si mesmo.

"Pois apesar de ser esse / O Natal da convenção, /Quando o corpo me arrefece / Tenho o frio e Natal não." - O frio não lhe traz o Natal, o tal Natal de convenção, o Natal que se imagina sempre, com a neve e o frio. O seu corpo arrefece, mas não lhe traz o Natal. A imagem é forte e impressiona. Ele sente o frio do Inverno, sente o frio da chuva, mas dentro dele não é Natal - falta-lhe a felicidade desse dia, a companhia de alguém ou razão para o celebrar.

"Deixo sentir a quem quadra / E o Natal a quem o fez, / Pois se escrevo ainda outra quadra / Fico gelado dos pés." - a conclusão, rápida e cheia de humor, disfarça o mau estar do poeta perante este tema. Metaforicamente ele sente tanto o frio ao escrever - o frio em si mesmo - que tem de parar de fazer quadras, para não ficar "gelado dos pés". É este humor um humor negro típico de Pessoa - uma ironia tão própria e que nos é indicada como característica dele pelos seus amigos próximos. Talvez ainda influência de um humor britânico que ele apanhou nos seus tempos em Durban.
Seja como for, entre ironia e humor negro, o tema do poema não nos pode deixar indiferente. "Chove" é irmão mais simples de "Aniversário" de Campos e como este último poema, o primeiro fala de solidão e de frio, mas frio interior, intempérie da alma e não da Natureza. É Pessoa ao frio, deslocado, sozinho, em sofrimento."


12 dezembro 2010

Guardador de pétalas (poema erótico) por Afonso Rocha / Música - 'Doll' by Helen Jane Longa



Guardador de pétalas
(poema erótico)


Observo-te
à distância
   à média luz...
como afastas o cabelo
num gesto sensual
   e sublime...
e me perco em teu rosto...
   teus lábios...no teu corpo...
   ardente de desejo...

O meu querer
de te envolver
nos meus braços
   e abraços...
   e de te penetrar...
gritando bem alto
   nossa felicidade...
é maior
que as duas margens
deste mar
que nos separa

   Saudade...
de te morder
e me morderes
   de paixão sôfrega...
como amantes
   escondidos...
e cansados
cairmos para o lado
num odor a sêmen
e suor
como se fosse
o melhor perfume
made in France
erotizando para sempre
esse momento
   efémero...

Almas iluminadas
em nossos corpos
   diminutos...
e por vezes
silenciados
pela ausência
de afetos

   Mas é dessa união...
da doce melodia
   de carinho...
da partilha
   constante...
como regra não imposta
que nasce o amor

   E assim...
me perco
Todos os dias
   Em teu jardim...
como guardador de pétalas

   Apaixonado...
sugo
   o botão rosa...
desabrochando tua flor
   num êxtase...

Teu rosto
se transforma
Angelical
   Sereno...
onde humidificas
o canteiro
onde me deito

Teus espinhos
cravam-se em mim
   Como rosas vermelhas...
   e num vai-vem frenético...
um orgasmo uno

Sorrimos
Os olhos brilham
   e juramos amor...
consciente
e adulto
Amo-te

                            afonso rocha

04 dezembro 2010

SONHO - Poema de Afonso Rocha / Música-Video - Letter From The Space -Tinavie by maximchelak


Recomendação: Devido à lentidão do download aconselho a visionar
desde o inicio, quando a barra estiver + - a 1/4 e assim acabar com os soluços.

SONHO

Vejo-te do espaço
no teu espaço
espaço de mim

Defino o teu mapa
Nossa dimensão diminuta

Quero voar
mas o medo
cega-me
desta visão
avassaladoramente
instável...

Vejo-te do espaço
no meu espaço
espaço de ti

Defino o nosso mapa
preciso e claro

Deixo-me ficar
em órbitra
cega
com a visão
de minhas próprias
mãos...

Meu corpo plana
entre meteoritos
e lixo espacial

Ouço murmureos
de extra-terrestres...

No teu espaço
              espaço de mim
              o teu mapa
No meu espaço
              espaço de ti
              o nosso mapa 

                                                                    afonso rocha